domingo, outubro 29, 2006
TARRAFAL
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O CAMPO DA MORTE PORTUGUÊS
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Após 70 anos da criação da mais severa prisão política portuguesa, há que relembrar o passado para que tal não volte a acontecer.
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Ao norte da Ilha de Santiago, no arquipélago de Cabo Verde, numa zona de pântanos, ventos fortes e águas insalubres, onde o paludismo era endémico, foi construído em 1936, pelo regime ditatorial de António de Oliveira Salazar e através do Decreto 26539, de 23 de Abril,
- (...)uma colónia penal para presos políticos e sociais(...) (artº1)
- (...)destinar-se-á a presos por crimes políticos que devam cumprir a pena de desterro ou que, tendo estado internados em outro estabelecimento prisional, se mostrem refractários à disciplina deste estabelecimento ou elementos perniciosos para os outros reclusos.(artº2)
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Este campo teve como antecedente um outro que existiu na Ilha de Santiago e que albergou os prisioneiros da Revolução da Madeira de 1931, na sua maioria oficiais do exército.
Foi, porém, a Revolta dos Marinheiros, tripulantes dos navios de guerra Afonso de Albuquerque,Bartolomeu Dias e Dão, acontecida a 8 de Setembro de 1936, que viria a precipitar a instalação do famigerado campo na Ilha de Santiago. Esta rebelião deveu-se ao facto de a Marinha de Guerra estar contra o apoio que Salazar estava a dar ao general espanhol Francisco Franco. Estava-se em plena guerra civil espanhola e esta revolta enfureceu Salazar que ordenou o bombardeamento dos navios e que os revoltosos fossem presos, julgados e condenados a pesadas penas. Para tal foi rapidamente preparado o campo na Achada Grande do Tarrafal, no extremo norte da ilha de Santiago, afastado quase 100 km da Cidade da Praia, e num dos locais mais inóspitos do Equador. Começou a ser ocupado a 29 de Outubro de 1936.
O Tarrafal constituía o local de isolamento perfeito para que a PVDE - polícia de vigilância e de defesa do estado - mais tarde PIDE/DGS, levasse a efeito toda uma enorme repressão sobre aqueles que eram contra o regime instituído. Inicialmente os comunistas e anarquistas mas depois muitos outros.
No Tarrafal ano de chuva era ano de paludismo pois o elevado calor facilitava o apodrecimento das águas dos poços, dos regatos e dos pântanos e nestes se desenvolviam, aos milhões, as larvas dos mosquitos anófele que, depois de eclodirem, iam alimentar-se e reproduzir-se nos globos vermelhos do sangue dos prisioneiros e aí completar o seu ciclo evolutivo.
O paludismo iria provocar febres muito altas e dores no corpo e se não fosse bem tratado conduziria à morte. O Director do Campo do Tarrafal, Manuel dos Reis, fazia gala em afirmar a todos os que para lá iam que "quem vinha para o Tarrafal vinha para morrer".
Entre 1936 e 1974, por este campo de morte lenta, passaram mais de 300 presos políticos portugueses,antifascistas, e inimigos do regime de Salazar e mais de 200 africanos nacionalistas.
O Campo do Tarrafal esteve encerrado entre 1954 e 1961. Neste ano, em plena Guerra Colonial, reabriu por decreto do Ministro do Ultramar para ali receber os africanos que se opunham ao colonialismo português.
Junto deste campo existia a famosa"frigideira", paralelipípedo em betão, com área de 9 metros quadrados, dividido em duas celas para dois ou três presos cada, que para ali eram enviados por castigo. Foi construída como resposta a uma tentativa de fuga colectiva que teve lugar em Agosto de 1937.
A temperatura interna chegava a atingir os 50º C devido à exposição ao sol e à lotação ser, na maioria das vezes, excedida. A ventilação era feita, apenas, por uma pequeníssima abertura, gradeada, existente por cima da porta. Aqui os presos só dispunham de uma pequena lata com água e tinham que viver no meio dos seus próprios dejectos. Um dos detidos, Gabriel Pedro, permaneceu 132 dias no seu interior.
De todos aqueles portugueses que passaram por este Campo de Tortura um dos mais conhecidos foi Cândido de Oliveira, jornalista e fundador do Jornal "A Bola". Dos africanos salienta-se o de Luandino Vieira, escritor e que vive em Portugal. São cinco os portugueses ainda vivos que estiveram presos no Campo de Concentração:
- Josué Martins Romão
- José Barata Júnior
- Joaquim de Sousa Teixeira
- Edmundo Pedro
- Sérgio Vilarigues.
Com a Revolução do 25 de Abril pôs-se termo a esta ignomínia.
A 1 de Maio de 1974 sairam os últimos reclusos do campo.
Para os vindouros, para os mais jovens e para todos aqueles que ainda ignoram a existência deste Campo de Concentração e o seu significado, queremos que saibam que "na nossa história, como país e como povo, houve uma noite que durou cerca de meio século e que no centro dessa longa noite se situa uma mancha ainda mais negra, que foi o Campo de Concentração do Tarrafal." *
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*in "Tarrafal-testemunhos - editorial Caminho - 4ª edição - 1978"
**Adaptação de conteúdos : - do livro "Tarrafal" testemunhos - Editorial Caminho - 4ª edição - 1978
- do artigo publicado na revista "Tabu" do jornal "Sol" nº 7, de 28 de Outubro de 2006.